Escritor (1901-1980)Foi um dos escritores portugueses mais importantes do século XX. Deu voz à sua visão humanista da vida e do mundo. Auto-exilado nos Estados Unidos, escreveu quase sempre sobre Lisboa. E quase sempre sobre si. Mas em tom de ficção. Com subtileza e ironia, falou das questões sociais e políticas vividas em Portugal. Foi escritor, jornalista e professor. Publicou em meios tão diversos como o jornal “Expresso” ou a revista “Seara Nova”. Fundou o Clube Operário Português nos EUA, país onde morreu em 1980, com 79 anos. Deixou uma vasta obra, hoje estudada por alunos de diversas nacionalidades.
José Claudino Rodrigues Miguéis nasceu em Lisboa em 9 de Dezembro de 1901, no bairro de Alfama, na Rua da Saudade. Talvez por isso nunca se tenha curado desta característica que dizem tão portuguesa. É a saudade que o fez voltar a Portugal durante toda a vida procurando ficar, mas acabando sempre por regressar aos Estados Unidos da América, a sua segunda pátria. É também da saudade que fala em numerosos escritos, como em “A Escola do Paraíso”, publicado em 1960: “Os paquetes atracam logo em baixo, ao cais, e a rua deve talvez o nome à saudade que para sempre ficou flutuando no sítio: a saudade dos que ficam, e a dos que partem e querem prender-se à terra, de braços, olhos e almas alongadas.” O pai, Manuel Maria Miguéis Pombo, homem galego, deixa-lhe como herança as tendências liberais e republicanas. A mãe, Maria Adelaide Rodrigues Miguéis, era mulher da Beira e mais recatada. Alfacinha, José frequenta o Colégio Francês e o Liceu Camões. Na década de 20 inscreve-se no curso de Direito da Universidade de Lisboa e envolve-se em movimentos de natureza política, como o Núcleo de Ressurgimento Nacional (NRN) e a direcção da Liga da Mocidade Republicana. Inicia a colaboração com várias publicações, como “Seara Nova”, que se apresentava como meio doutrinário e crítico, com fins pedagógicos e políticos. Integrou ainda a redacção de jornais como a “República”, “O Sol”, “O Diabo”, e a revista “Alma Nova”. É nesta época que faz amizades marcantes, nomeadamente com Raul Brandão e Bento de Jesus Caraça. É com este matemático que irá fundar, em 1932, o semanário “O Globo”, suspenso no mesmo ano pela censura.
Começa, entretanto, a sua vida profissional como advogado, após a conclusão da licenciatura, em 1924. No ano seguinte, é nomeado procurador da República delegado em Setúbal. Regressa a Lisboa em 1926, tornando-se professor no Liceu Gil Vicente, o liceu da zona da sua antiga residência.
A falta de liberdade de expressão, a par de um longo rol de restrições provocadas pela instituição da ditadura - consequência do golpe militar de 1926 -, leva a que José Rodrigues Miguéis aceite uma bolsa de estudo da Junta de Educação Nacional e parta para Bruxelas, na Bélgica, em 1929, para aprofundar os estudos na área das ciências pedagógicas. Se o objectivo era afastar as suas ideias “subversivas” do País, foi bem conseguido. É no estrangeiro que termina a primeira obra publicada, “Páscoa Feliz” (1932). Recebe, por ela, o Prémio Literário da Casa da Imprensa. Neste mesmo ano casa com a professora russa Pecia Cogan Portnoi.
Regressa a Lisboa em 1933, mas não consegue viver na capital. Parte, então, para Nova Iorque. Da viagem que faz aos Estados Unidos guarda imagens valiosas, que irá partilhar com o público na crónica “Gente da Terceira Classe”, editada em 1962.
No ano de 1940, casa em segundas núpcias com a luso-americana Camila Pitta Campanella. No mesmo ano publica um dos seus contos mais conhecidos: “Léah”. Mais tarde, integra-o num conjunto de textos aos quais dá o nome de “Léah e Outras Histórias”, pelo qual receberá em 1959 o Prémio Camilo Castelo Branco, da Sociedade Portuguesa de Escritores. Estabelece fortes laços com as comunidades portuguesa e hispânica nos EUA e em 1960 é eleito académico correspondente da Hispanic Society of America. Visita Portugal por diversas vezes, chegando a permanecer durante dois anos, entre 1957 e 1959.
Continua a publicar até ao fim da vida. “Nikalai! Nikalai!” (1971), “O Espelho Poliédrico” (1973), “Comércio com o Inimigo” (1973) e “O Milagre Segundo Salomé” (1975), recentemente adaptado ao cinema pelo realizador português Mário Barroso, são disso exemplo. Em 1976 é escolhido para membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e em 1979 recebe um dos graus da Ordem Militar de Santiago de Espada.
É um dos escritores mais significativos do século XX. Sem se inserir no movimento neo-realista, revelou dar particular atenção às questões sociais, explorando os temas da emigração e do exílio, descritos com grande realismo. Quando morre, em Outubro de 1980, deixa uma vasta obra e uma influência marcante na literatura portuguesa.